Nestes dias que antedecem o Natal, o trânsito paulistano consegue bater novos recordes de congestionamento, poluição sonora e do ar, estressamento de pessoas e grosserias gratuitas.
Gente que, a pé, seria incapaz de fazer mal a uma mosca, quando entra em seu veículo se transforma em um incrível Hulk com quatro pneus. Parece que pilotar um veículo é a fórmula do Dr. Jekyll para virar Mr. Hyde.
Observando e tentando entender essa patologia espalhada por centenas de kms pela Paulicéia desvairada (e congestionada), acabei concluindo que é uma selvageria - retomada de aspectos selvagens -, pois além de mostrar o retrocesso ao primitivismo, há o estabelecimento de tribos bem específicas:
1- os "praondeuvô?": lerdos, perdidos ou atrapalhados.
Fáceis de identificar, pois dão seta para a esquerda e entram à direita, andam a 30 km/h na faixa da esquerda em vias de 60 km/h, andam devagar na sua frente sem motivo aparente e, quando o farol amarela, aceleram e te deixam pegar o farol fechado...
2- os "saidafrente!": entre outras coisas, não dão passagem, ultrapassam pela direita e pelo acostamento, fazem retorno e conversões proibidas e arriscadas, são mais rápidos que a luz (antes do farol abrir já estão buzinando), querem revolucionar a física (acreditam que o deslocamento de ar causada pelo som de suas buzinas vai fazer o congestionamento fluir), fecham os cruzamentos... e acham que civilidade, gentileza e respeito são palavras abolidas em alguma dessas reformas ortográficas por aí.
3- os "motomen": quando abre o farol, parecem uma nuvem de marimbondos zumbindo, buscando todos os espaços visíveis e possíveis entre os carros.
Com manobras ágeis, radicais e velozes, arriscam o pescoço com a mesma facilidade com que xingam e ameaçam quem não os viu sair da primeira para a quarta faixa em menos de um segundo.
Coisa interessante é que seu número aumentou tanto que o maior obstáculo ao seu deslocamento entre os carros parados são eles mesmos: hoje há congestionamento de motos, no meio do congestionamento dos carros...
4- os "taxidriver": premidos pelo tempo, fator básico para fazer mais corridas e faturar mais (ou ter menos prejuízo), acabam, por necessidade, se comportando como um misto dos "saidafrente!" com os "motomen", buscando sempre avançar mais depressa e realizando manobras aparentemente impossíveis.
É justo dizer que, mesmo com essa pressão, vários deles conseguem se lembrar da cordialidade e da civilidade.
5- os "somnacaxa!": pilotam uma (gigantesca) caixa acústica sobre rodas, compartilhando com o mundo suas músicas e sons favoritos.
Identificáveis a um quarteirão de distância.
6- os "cargapesada": conduzem ônibus e caminhões pequenos, médios, grandes e muito grandes.
Tem uma baita responsabilidade (e habilidade) para conduzir toda aquela tonelagem.
Vale a pena ficar esperto e facilitar o trabalho deles - e ficar fora do caminho, também.
Em caso de dúvida no trânsito, eles sempre estarão certos, pois são maiores e mais pesados que os demais.
7- os "newbikers" (os "oldbikers" hoje vão de carro): de mochila, capacete e luzes piscantes - mas até hoje só vi com máscara para a poluição que o esforço físico os faz respirar em maior quantidade - eles são a "alternativa verde" para quem quer se locomover sem se preocupar com o suor nem precisar participar de reuniões corporativas.
Pena que muitos andem na contra-mão ou em calçadas, varem os faróis vermelhos e travessias de pedestres,
e achem que sempre serão vistos e respeitados pelas pessoas nos outros veículos e a pé.
8- os "tôcerto": aqueles que, como eu, acham que fazem tudo certo e sempre estão com a razão :-)
quarta-feira, 21 de dezembro de 2011
terça-feira, 20 de dezembro de 2011
Coisas difíceis de entender (II): Halloween brasileiro
Em 27 de setembro comemorava-se - aliás, ainda se comemora neste nosso Brasil, em lugares onde a globalização não se enfronhou - o Dia de Cosme e Damião: dia de "fazer um agrado" às crianças, principalmente dando-lhes doce, pipocas ou guloseimas.
Com o contato cada vez maior entre os países e as culturas, aportou por aqui o importado o Halloween: comemoração americana do "Dia das Bruxas" (31 de outubro), onde o mote é sair fantasiado de algo mórbido ou "do mal", dar sustos nos outros e "pedir" - se bem que isso me soa mais como ameaçar - "gostosuras ou travessuras".
Conheci um americano que está há 30 anos no Brasil e ele quis me convencer que uma das coisas mais legais de sua adolescência no Oregon era o Dia das Bruxas, quando ele e seus amigos se fantasiavam de fantasma, monstro, lobisomem, vampiro ou algo assim, e ficavam a noite toda acordados pregando sustos nas pessoas ou pedindo (extorquindo?) guloseimas.
"It was fun!" (era divertido!) foi o que ele me disse, com olhos sonhadores relembrando aquilo. Ele é um cara legal, mas meu conceito de diversão é diferente disso... difícil de entender. No comprendo...
Divulgado em filmes, desenhos, internet, etc., esse conceito foi adotado por cada vez mais crianças e adolescentes por aqui, principalmente nos prédios de cidades como São Paulo. Até parece que o Dia de Cosme e Damião ficou só para os "caipiras" ou "atrasados".
Aos bandos, essa garotada sai pelos corredores, levando algazarra, gritaria, bagunça, até vandalismo, e com a anuência complacente (às vezes constragida de alguns) dos pais. Quem sabe esses pais pensem "antes lá fora no corredor do que aqui dentro"?
O fato é que, após anos indo pela via mais fácil - comprar balas ou chocolates para despachar logo da minha campainha os pidões pedintes (e ter sossego: o problema passa a ser do próximo vizinho), neste ano fui surpreendido pela algazarra e disparo incessante da campainha no dia 30 de outubro! Sem doces - que só compramos no próprio dia 31 - minha esposa escutou das crianças que, como o dia 30 era domingo, elas aproveitaram para pedir antes, pegar mais gente em casa e "livrar" seu próprio dia 31...Halloween com "jeitinho" brasileiro, folgado e descarado!
Desta vez elas saíram do meu - e de vários outros apartamentos - de mãos vazias.
Pensei em falar para elas voltarem em 27 de setembro, mas diante da tarefa de ensiná-las sobre Cosme e Damião e de uma forma menos agressiva de interagir e receber guloseimas, percebi que deveria poupar meu latim e deixar que seus pais, ao receber os "pimpolhos" de volta mais cedo e mais frustrados, tivessem a oportunidade de exercer seu papel (dever!) de educadores.
Com o contato cada vez maior entre os países e as culturas, aportou por aqui o importado o Halloween: comemoração americana do "Dia das Bruxas" (31 de outubro), onde o mote é sair fantasiado de algo mórbido ou "do mal", dar sustos nos outros e "pedir" - se bem que isso me soa mais como ameaçar - "gostosuras ou travessuras".
Conheci um americano que está há 30 anos no Brasil e ele quis me convencer que uma das coisas mais legais de sua adolescência no Oregon era o Dia das Bruxas, quando ele e seus amigos se fantasiavam de fantasma, monstro, lobisomem, vampiro ou algo assim, e ficavam a noite toda acordados pregando sustos nas pessoas ou pedindo (extorquindo?) guloseimas.
"It was fun!" (era divertido!) foi o que ele me disse, com olhos sonhadores relembrando aquilo. Ele é um cara legal, mas meu conceito de diversão é diferente disso... difícil de entender. No comprendo...
Divulgado em filmes, desenhos, internet, etc., esse conceito foi adotado por cada vez mais crianças e adolescentes por aqui, principalmente nos prédios de cidades como São Paulo. Até parece que o Dia de Cosme e Damião ficou só para os "caipiras" ou "atrasados".
Aos bandos, essa garotada sai pelos corredores, levando algazarra, gritaria, bagunça, até vandalismo, e com a anuência complacente (às vezes constragida de alguns) dos pais. Quem sabe esses pais pensem "antes lá fora no corredor do que aqui dentro"?
O fato é que, após anos indo pela via mais fácil - comprar balas ou chocolates para despachar logo da minha campainha os pidões pedintes (e ter sossego: o problema passa a ser do próximo vizinho), neste ano fui surpreendido pela algazarra e disparo incessante da campainha no dia 30 de outubro! Sem doces - que só compramos no próprio dia 31 - minha esposa escutou das crianças que, como o dia 30 era domingo, elas aproveitaram para pedir antes, pegar mais gente em casa e "livrar" seu próprio dia 31...Halloween com "jeitinho" brasileiro, folgado e descarado!
Desta vez elas saíram do meu - e de vários outros apartamentos - de mãos vazias.
Pensei em falar para elas voltarem em 27 de setembro, mas diante da tarefa de ensiná-las sobre Cosme e Damião e de uma forma menos agressiva de interagir e receber guloseimas, percebi que deveria poupar meu latim e deixar que seus pais, ao receber os "pimpolhos" de volta mais cedo e mais frustrados, tivessem a oportunidade de exercer seu papel (dever!) de educadores.
Coisas difíceis de entender (I): Futebol bestificante
Anteontem meu time - Santos - decidiu o Mundial Interclubes de Futebol (ou algo assim) contra o Barcelona, no Japão, logo pela manhã.
Passei o dia em aula e só fui saber o resultado à noite: 4 a 0 para o Barcelona. E me perguntei: em que a derrota do Santos, na final desse mundial de 2011, altera a minha vida?
Em nada.
E se tivesse ganhado - Santos, campeão mundial interclubes de futebol de 2011 - em que isso alteraria a minha vida?
Pagaria minhas contas, me deixaria mais bonito, me faria uma pessoa melhor?
Também não.
Então fica difícil entender a quantidade enorme de provocações de torcedores de outros times - que extrapolam muito a saudável gozação e caem na agressão - ou as críticas dos (antes do jogo) simpatizantes.
Da mesma forma, fica difícil eu entender por que tanta gente muda de religião - algo que deveria ser importante, por tratar literalmente de vida e morte -, mas não troca o time de futebol por nada neste mundo.
Pior ainda: briga, xinga, discute, bate e até mata em nome dessa "paixão" (com "p" tão minúsculo que não deveria nem dar para enxergar).
O futebol, pela dificuldade de se jogar - o sujeito não apenas tem de correr conduzindo a bola, mas para manter seu controle e criar as jogadas que atinjam o objetivo ("Goooooooolll!") deve fazer isso com os pés - e por ser um dos raros esportes onde a excelência técnica e domínio dos fundamentos não garante que o melhor time seja o vencedor, tem uma certa magia pela beleza que às vezes apresenta nas jogadas e pela imprevisibilidade.
Mas ainda é muito pouco para justificar tanto destranbelhamento que acomente as pessoas, sejam torcedores, jogadores de fim de semana, jornalistas, comentaristas, ou simplesmente pessoas como você ou eu.
Passei o dia em aula e só fui saber o resultado à noite: 4 a 0 para o Barcelona. E me perguntei: em que a derrota do Santos, na final desse mundial de 2011, altera a minha vida?
Em nada.
E se tivesse ganhado - Santos, campeão mundial interclubes de futebol de 2011 - em que isso alteraria a minha vida?
Pagaria minhas contas, me deixaria mais bonito, me faria uma pessoa melhor?
Também não.
Então fica difícil entender a quantidade enorme de provocações de torcedores de outros times - que extrapolam muito a saudável gozação e caem na agressão - ou as críticas dos (antes do jogo) simpatizantes.
Da mesma forma, fica difícil eu entender por que tanta gente muda de religião - algo que deveria ser importante, por tratar literalmente de vida e morte -, mas não troca o time de futebol por nada neste mundo.
Pior ainda: briga, xinga, discute, bate e até mata em nome dessa "paixão" (com "p" tão minúsculo que não deveria nem dar para enxergar).
O futebol, pela dificuldade de se jogar - o sujeito não apenas tem de correr conduzindo a bola, mas para manter seu controle e criar as jogadas que atinjam o objetivo ("Goooooooolll!") deve fazer isso com os pés - e por ser um dos raros esportes onde a excelência técnica e domínio dos fundamentos não garante que o melhor time seja o vencedor, tem uma certa magia pela beleza que às vezes apresenta nas jogadas e pela imprevisibilidade.
Mas ainda é muito pouco para justificar tanto destranbelhamento que acomente as pessoas, sejam torcedores, jogadores de fim de semana, jornalistas, comentaristas, ou simplesmente pessoas como você ou eu.
terça-feira, 13 de dezembro de 2011
Férias
Vou tirar férias daqui duas semanas e irei para a Índia; não é um dos 10 lugares no topo da minha lista de desejos, mas já que minha esposa vai e eu estou precisando de férias - e posso tirá-las - vou nessa!
Na última reunião do grupo que vai - alunos, professores, praticantes e aficionados de Yoga - ouvi comentários que me puseram a pensar: gente preocupada com a roupa que iria usar para os jantares, com a condição dos lugares onde seriam os estudos e retiros, com as compras a fazer, com o que levar para ficar mais confortável... e reparei que a ideia de férias, para muita gente, é continuar fazendo o que já faz normalmente, só que em outro lugar e sem a atividade de trabalho ou de estudo.
Férias - do latim feria, ou feriae - tem o significado de descanso do labor ou do estudo; feriado - um dia de descanso - vem da mesma origem.
Até aí, tudo bem; mas as pessoas se habituaram a pensar que para estar de férias (ou em férias?) é preciso estar em outro lugar, diferente do seu local habitual. E também se habituaram a querer ter, em suas férias (em outro local) as coisas do seu dia-a-dia: ter a televisão para continuarem assitindo aos mesmos programas - mesmo que só para falar mal deles, depois; ter seu jornal e sua revista - entregues em seu endereço de férias!; ter suas comidas conhecidas e preferidas; etc.
Ou seja, as pessoas se habituaram a pensar em férias como um lugar para onde se vai e se mantém a rotina... quando o objetivo das férias é dar descanso - ao corpo, mas principalmente à mente, ao espírito e às emoções.
Dessa forma, não é preciso ir para a ìndia, Disney ou Tahiti para estar de férias, mas sim estar dispostoa pensar diferente, sentir diferente, prestar atenção em coisas - sons, imagens, aromas, formas, etc. - diferentes daquelas que se repetem tanto no dia a dia que viram rotina e ficam familiares e dão o reconforto do conhecido e da comodidade (e do comodismo).
Ou seja, férias não é ONDE se está, mas sim COMO se está.
Eu já estou em espírito de férias - VER diferente, PENSAR diferente, SENTIR diferente - e vou me esforçar para continuar assim, mesmo quando trabalhando, estudando, ou fazendo qualquer outra atividade.
Na última reunião do grupo que vai - alunos, professores, praticantes e aficionados de Yoga - ouvi comentários que me puseram a pensar: gente preocupada com a roupa que iria usar para os jantares, com a condição dos lugares onde seriam os estudos e retiros, com as compras a fazer, com o que levar para ficar mais confortável... e reparei que a ideia de férias, para muita gente, é continuar fazendo o que já faz normalmente, só que em outro lugar e sem a atividade de trabalho ou de estudo.
Férias - do latim feria, ou feriae - tem o significado de descanso do labor ou do estudo; feriado - um dia de descanso - vem da mesma origem.
Até aí, tudo bem; mas as pessoas se habituaram a pensar que para estar de férias (ou em férias?) é preciso estar em outro lugar, diferente do seu local habitual. E também se habituaram a querer ter, em suas férias (em outro local) as coisas do seu dia-a-dia: ter a televisão para continuarem assitindo aos mesmos programas - mesmo que só para falar mal deles, depois; ter seu jornal e sua revista - entregues em seu endereço de férias!; ter suas comidas conhecidas e preferidas; etc.
Ou seja, as pessoas se habituaram a pensar em férias como um lugar para onde se vai e se mantém a rotina... quando o objetivo das férias é dar descanso - ao corpo, mas principalmente à mente, ao espírito e às emoções.
Dessa forma, não é preciso ir para a ìndia, Disney ou Tahiti para estar de férias, mas sim estar dispostoa pensar diferente, sentir diferente, prestar atenção em coisas - sons, imagens, aromas, formas, etc. - diferentes daquelas que se repetem tanto no dia a dia que viram rotina e ficam familiares e dão o reconforto do conhecido e da comodidade (e do comodismo).
Ou seja, férias não é ONDE se está, mas sim COMO se está.
Eu já estou em espírito de férias - VER diferente, PENSAR diferente, SENTIR diferente - e vou me esforçar para continuar assim, mesmo quando trabalhando, estudando, ou fazendo qualquer outra atividade.
sexta-feira, 9 de dezembro de 2011
As horas estão se esgotando
Dias atrás, no velório do pai de uma amigo, revi pessoas que há uns 20 anos não encontrava, e fui lembrado de como a vida continua, mesmo longe dos meus olhos e do meu pensamento, estampada em rugas, cabelos brancos (ou falta de cabelos), barriguinhas e gordurinhas, crianças que agora são adultos e têm suas próprias crianças...
Um colega, que também via isso, ilustrou bem esse (nosso) espanto:
_ Jesus! Onde eu estava que não vi nada disso acontecer?
O mesmo colega, sem perceber, deu uma dica da resposta, logo depois, quando falávamos dos nossos empregos:
_ No mundo corporativo, os dias demoram uma eternidade, e os anos passam num instante.
Pois é: reuniões, planilhas e relatórios consomem avidamente nossas horas cotidianas, e o trânsito irracional de São Paulo destrói mais um tanto dessas horas - preciosas, porque insubstituíveis - e assim, quando nos damos conta, não encontramos mais um monte de gente, simplesmente porque não trabalham mais conosco ou não estudam mais conosco: saíram do nosso trajeto social diário, ficaram fora do nosso raio deação, e assim a convivência fica para "quando der tempo".
Passam-se os anos, a vida segue impassível à velocidade de 24 horas por dia para cada um e para todos, e o reencontro fica para situações extremas, como um falecimento.
_ Culpa do mundo corporativo? - perguntei eu, e o colega me respondeu:
_ É, mas precisamos do mundo corporativo para ter dinheiro.
Verdade verdadeira; no atual paradigma da nossa sociedade capitalista, o dinheiro é a forma de eu trocar meu tempo e esforço (trabalho) por aquilo que preciso e pelos supérfluos - cada vez mais! - que não preciso.
Até aí, tudo como sempre foi: para ter alguma coisa, preciso fazer algo, pois as coisas - bens, comida, abrigo, roupas, etc. - não se produzem sozinhos.
A porca torce o rabo quando ficamos tão dependentes desse modelo de sociedade que, mesmo que não consumíssemos mais nada de supérfluos, ainda assim precisaríamos de algum trabalho para recebermos o dinheiro para comprar comida, roupas, remédios, ter abrigo, etc., porque hoje não somos mais capazes de fazer isso por nós mesmos, especialmente nas grandes metrópoles. A super-especialização aumenta a dependência do resto da sociedade.
E existe vida fora das corporações (cada vez maiores)? Existe, mas elas, com suas fusões, compras e aquisições, vão engolindo tudo. Estão conseguindo fazer o que o comunismo não conseguiu: caminhamos para ter o banco único, a cervejaria única, o supermercado único, a indústria farmacêutica única, e por aí vai.
O que precisa mudar é esse modelo em que os seres humanos são apenas mais um insumo no complexo processo que transforma tempo, matéria-prima, homens/hora, sonhos, etc., em bens cada vez menos necessários e mais rentáveis, para que o lucro dos acionistas continue a crescer.
É preciso restaurar a dignidade e o valor do indivíduo, e não enxerga-lo somente pelo que ele pode produzir dentro da disputa globalizada de ter ganhos cada vez maiores, a qualquer custo - antes que precisemos penhorar as horas dos nossos descendentes, pois as nossas, no ritmo e esquema atual, já estão se esgotando.
Um colega, que também via isso, ilustrou bem esse (nosso) espanto:
_ Jesus! Onde eu estava que não vi nada disso acontecer?
O mesmo colega, sem perceber, deu uma dica da resposta, logo depois, quando falávamos dos nossos empregos:
_ No mundo corporativo, os dias demoram uma eternidade, e os anos passam num instante.
Pois é: reuniões, planilhas e relatórios consomem avidamente nossas horas cotidianas, e o trânsito irracional de São Paulo destrói mais um tanto dessas horas - preciosas, porque insubstituíveis - e assim, quando nos damos conta, não encontramos mais um monte de gente, simplesmente porque não trabalham mais conosco ou não estudam mais conosco: saíram do nosso trajeto social diário, ficaram fora do nosso raio deação, e assim a convivência fica para "quando der tempo".
Passam-se os anos, a vida segue impassível à velocidade de 24 horas por dia para cada um e para todos, e o reencontro fica para situações extremas, como um falecimento.
_ Culpa do mundo corporativo? - perguntei eu, e o colega me respondeu:
_ É, mas precisamos do mundo corporativo para ter dinheiro.
Verdade verdadeira; no atual paradigma da nossa sociedade capitalista, o dinheiro é a forma de eu trocar meu tempo e esforço (trabalho) por aquilo que preciso e pelos supérfluos - cada vez mais! - que não preciso.
Até aí, tudo como sempre foi: para ter alguma coisa, preciso fazer algo, pois as coisas - bens, comida, abrigo, roupas, etc. - não se produzem sozinhos.
A porca torce o rabo quando ficamos tão dependentes desse modelo de sociedade que, mesmo que não consumíssemos mais nada de supérfluos, ainda assim precisaríamos de algum trabalho para recebermos o dinheiro para comprar comida, roupas, remédios, ter abrigo, etc., porque hoje não somos mais capazes de fazer isso por nós mesmos, especialmente nas grandes metrópoles. A super-especialização aumenta a dependência do resto da sociedade.
E existe vida fora das corporações (cada vez maiores)? Existe, mas elas, com suas fusões, compras e aquisições, vão engolindo tudo. Estão conseguindo fazer o que o comunismo não conseguiu: caminhamos para ter o banco único, a cervejaria única, o supermercado único, a indústria farmacêutica única, e por aí vai.
O que precisa mudar é esse modelo em que os seres humanos são apenas mais um insumo no complexo processo que transforma tempo, matéria-prima, homens/hora, sonhos, etc., em bens cada vez menos necessários e mais rentáveis, para que o lucro dos acionistas continue a crescer.
É preciso restaurar a dignidade e o valor do indivíduo, e não enxerga-lo somente pelo que ele pode produzir dentro da disputa globalizada de ter ganhos cada vez maiores, a qualquer custo - antes que precisemos penhorar as horas dos nossos descendentes, pois as nossas, no ritmo e esquema atual, já estão se esgotando.
Assinar:
Postagens (Atom)