segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Vestir a camisa

Dias atrás encontrei uma camiseta de uma empresa em que trabalhei há anos, e ao vesti-la lembrei-me do significado da expressão "vestir a camisa": estar comprometido com aquela instituição, defendê-la não apenas pelo salário, mas também por sentir-se parte do que ela representa; não se preocupar em "fazer propaganda de graça", mas sim ter orgulho de estar naquela companhia.

Essa empresa, como outras em que trabalhei e nas quais eu "vestia a camisa" de verdade e não só pela obrigação contratual, já não existe mais. Da mesma forma que aconteceu com as outras em que sentia valer a pena trabalhar, essa empresa foi comprada por um concorrente que não se importa se o funcionário está satisfeito e motivado -  desde que cumpra sua obrigação -, mas que é muito bom em ganhar dinheiro e assim vai comprando os concorrentes e dominando o mercado.

Esse quase monopólio vai acontecendo em diversos setores: poucas e grandes empresas dominam, ditam as regras, e em nome do lucro maior, do gasto menor e da alta da cotação das ações na bolsa, massificam processos e pessoas, colocam os números em primeiro lugar e estabelecem uma ética distorcida em que levar vantagem é o mandamento número 1. Fica cada vez mais díficil encontrar lealdades verdadeiras e duradouras, seja em empresas privadas, instituições públicas, partidos políticos, etc.

O melhor exemplo é o que acontece com tantos jogadores de futebol que até virou anedota folclórica: o sujeito é contratado por um time, veste a nova camisa na apresentação, beija o escudo, faz juras de amor e confessa realizar um sonho de criança, e meses depois, por um salário maior, muda de time, mesmo que seja para lugares dos quais nunca ouviu falar no Oriente Médio, Ásia ou outros rincões menos conhecidos que a Europa ocidental.

Será que isso acontece porque deixamos de vestir a nossa própria camisa? Nos esquecemos de escutar nossos anseios, trancamos nossos sonhos no armário, escondemos as vontades debaixo da cama, deixamos de ser nós mesmos enquanto ouvimos o canto de sereia da propaganda massiva que nos empurra para comprar o que não precisamos tanto assim, aspirar a parecer ser o que não realmente somos e viver a vida de script de marketing?

Existe o desafio de ter coerência entre o que se pensa, sente, fala e age; para não correr tanto o risco de virarmos esquizofrênicos funcionais ou hipócritas profissionais. Requer olhar para dentro de si mesmo com honestidade, sem ignorar nossa parte que julgamos que os outros não vão aprovar; aceitarmos e acolhermos tudo o que somos - podemos não gostar, mas esse é o primeiro passo para fazer algo a respeito e melhorar.

Não é fácil, dá trabalho e demora. Mas como (quase sempre) só damos valor ao que nos custa algo, e temos a eternidade à nossa frente, o investimento em nós mesmos é o que mais vale a pena. E aí, conscientes e coerentes por vestirmos a nossa própria camisa, vestiremos naturalmente a camisa da empresa correta, do time certo, da cidadania consciente, do ser humano menos terráqueo e mais cósmico.