domingo, 28 de dezembro de 2014

Os passeios do Luka: três perguntinhas...

Au!



Os humanos que vivem comigo me chamam de Luka e dizem que sou um Yorkshire de 10 anos; pelo meu visual, cheiro e personalidade inconfundíveis, eu sei quem sou, mas esses humanos parece que precisam de cada vez mais rótulos para tentarem identificar e entender algo.

Minha matilha é meio diferente, parece o tal Exército de Brancaleone: tem dois humanos (Claudinei e Patrícia, que também se chamam de Cao e Pat - mais rótulos confusos!) e quatro gatos (Nick, Kevin, Kate e Nicoleta)... qualquer dia desses conto alguma coisa deles.

Saio duas vezes por dia para levar algum dos meus humanos para passear (às vezes vão os dois; dá mais trabalho para cuidar, mas eles ficam felizes de estar junto comigo). Enquanto reforço a minha marcação de território, aprecio o mundo e filosofo um pouco, espero que esses bípedes aprendam algo com o passeio educativo. Mas geralmente eles são meio devagar para perceber as coisas - como todos os humanos.

Hoje, por exemplo, estava um calor de rachar mamona e eu conduzia meu humano pelo lado da calçada que tinha uma sombra protetora, quando uma humana jovem passou por nós no meio da rua, no sol, ladeira acima, arrastando os pés na tentativa de correr, só Anúbis sabe por que.

Com ossos grandes, pernas grossas e quadril largo, aquela bípede não tem nem desenho nem construção adequados para correr. Como ela não estava em risco de virar comida, nem correndo atrás da refeição que a manteria viva, por que então estava fazendo aquele despropósito consigo mesma?

Já ouvi os humanos falarem um monte de coisa para justificar esse tipo de atitude: que é pela saúde, pelo esporte,  para entrar em forma, pela superação, para socializar, e por aí vai. Ao invés de discutir e derrubar cada uma dessas pálidas desculpas, dou a eles apenas três perguntinhas para responderem, nessa ordem, antes de começar qualquer coisa:
_Eu preciso?
_Eu posso?
_Eu quero?

Isso implica, entre outras coisas, em prestar atenção ao que é desejo (estímulo externo) e vontade (impulso interno), e ao custo/benefício (o que tenho de dar ou suportar para realizar ou ter aquilo que quero); saber o que realmente é adequado a si e o que é viável. E aceitar e lidar com isso.

Pelas respostas - ou ausência delas - fico me perguntando quem é o irracional, afinal de contas.

Aproveite para pensar, mas não demore, pois no próximo passeio posso trazer alguma coisa nova para compartilhar.

Au!

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

A Era de Narciso

Alguém se lembra de Narciso, aquele personagem da mitologia grega que era tão bonito que só gostava do próprio reflexo?

Pois o nível de ruído, discussão e agressividade que acompanhou a campanha eleitoral de 2014 no Brasil me fez ter certeza que não estamos (ainda) nem na Era de Peixes, nem (já) na Era de Aquário, estamos é na Era de Narciso. Não que sejamos (ou estejamos) extremamente belos, mas sim que não gostamos do que é diferente da nossa imagem projetada.

Vejamos: o que já se delineava como tolerância zero em relação a quem tinha time de futebol, religião, cor, sexo, orientação sexual, classe social, dinheiro, cultura, nível intelectual, origens, gosto musical, profissão, capacidade motora, gosto artístico, etc., diferente dos de Narciso, chegou ao ápice na campanha política em que a preferência por um partido (ou candidato) ou outro - ou por nenhum - fez tanta gente desrespeitar veementemente a preferência dos outros. Não gostar da escolha alheia é uma coisa; agressividade gratuita e falta de respeito é outra. Mas cada um se sentia certo, ou ao menos amparado por justificativas que, ao seu ver, lhe conferiam legitimidade em ser malcriado ou grosseiro.

As eleições passaram, como tudo passa - o jogo de futebol, o campeonato, a Copa do Mundo, a novela com seus muitos vilões, a paixão que era eterna, a família, a vizinhança, o emprego vitalício - e outras virão. Mas como cada Narciso vai conseguir olhar para quem não é seu reflexo?

E mais ainda: o que cada Narciso vai fazer quando só tiver espelhos à sua volta, devolvendo sua própria imagem, e perceber que o brinco da sua orelha direita está na orelha esquerda do reflexo, que assim deixa de ser sua cópia perfeita? Vai quebrar os espelhos até ficar só no mundo, ou vai aceitar que as diferenças fazem parte da beleza alheia?