terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Complexo de Superman


No extremo oposto ao da vitimização (ou terceirização de responsabilidade), há aquelas pessoas que parecem se considerar o próprio Homem de Aço kryptoniano: ultrapassam seus limites repetidamente e agem como isso fosse normal, tendento a bancar os heróis - ou se superar - mesmo quando não há necessidade para isso.

As causas são várias; pode ser orgulho ("Eu consigo o que os outros não conseguem!", "eu faço mais que os outros!"), pode ser medo ou insegurança ("eu TENHO de fazer isso, não posso não fazer!"), ou simples falta de noção ("era pra ter parado antes?", "não precisava tudo isso?").
Qualquer coisa que não seja difícil, suada e disputada, é moleza - e isso não é para eles.

É preciso um bocado de jeito para cuidar desses Supermen e Superwomen, para não aumentar ainda mais sua tendência à super-superação. Mas continuarei este assunto mais tarde, pois minha visão de raio-X acaba de mostrar um assunto do outro lado de Metrópolis que requer minha presença.
Onde está a cabine telefônica desocupada mais próxima?



segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Terceirização de responsabilidade

Numa discussão num grupo de estudos, na semana passada, tocamos num assunto que tem sido cada vez mais comum: as pessoas só assumirem as coisas boas ou vantajosas para elas - "eu sou o cara!", "mandei bem!", "eu sou bom, mesmo!", "que sorte eu tenho!" - e tirando o corpo fora de qualquer problema que aconteça, colocando a culpa no chefe que não reconhece seu trabalho, no subordinado que é incompetente e folgado, no professor que é chato, na cara metade que não o compreende, no sujeito que não prestou no trânsito... e por aí vai.

Também se omitem no cuidade de si mesmos: por exemplo, passam a responsabilidade de perder peso para a academia, para o personal trainner, para a dieta milagrosa, para o remedinho esperto, para a cirurgia de redução de estômago... mas nada de assumir que a situação foi criada por si mesmos e que a solução - nem rápida nem fácil - é se reeducar, se controlar e estar conscientes de tudo que fazem.

Ou seja, caímos no vício da vitimização: somos apenas vítimas das circunstância e o culpado está sempre lá fora, seja o universo desconhecido e mau, as teorias de conspiração, o aquecimento global, o governo corrupto, o vizinho invejoso... "A culpa não é minha!", em suas diversas variantes, é o que se ouve com frequência assustadora.

Nestes tempos globalizados, em que preconiza terceirizar tudo que não seja essencial ao negócio, passamos a acreditar que nosso core business é curtir e levar vantagem sem se preocupar com o custo disso. Estabelecemos a terceirização da responsabilidade dos nossos atos.

Que tal voltarmos a sermos responsáveis pelo que fazemos (e por suas consequências), antes que a conta dessa terceirização fique alta demais?

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

O brilho das estrelas

A exploração arqueológica na minha bagulhoteca encontrou outro poema perdido de 28/janeiro/1998 - a produção foi boa naquele dia ;-)

O Brilho das Estrelas (ou "a busca frenética por algo que estava tão perto")

Estrelas
tão brilhantes
qual pontas de diamantes
me encantando
me enganando
com seu fulgor
que empalidece tudo o mais...

Estrelas
tão brilhantes
ainda mais que antes
me atraindo
me conduzindo
sem temor
por entre escarpas abissais...

Pelo brilho das estrelas -
atravesso desertos infernais
Pelo brilho das estrelas -
supero gelos continentais
Pelo brilho das estrelas -
calo dúvidas existenciais
Pelo brilho das estrelas -
perambulo pelo perigo
Pelo brilho das estrelas -
destruo quem seja inimigo
Pelo brilho das estrelas -
ignoro quem tente ser amigo

Porque o brilho das estrelas
ofusca o amor
suplanta a dor
tão belo que dói
tão intenso que destrói
tanto a confusão
quanto a razão

brilho mágico
brilho sádico
me levou a galgar
cada colina, morro, montanha
até o fim do mundo
apenas para constatar
que sempre estava
um pouco mais alto
do que meus dedos estendidos
conseguiam alcançar

brilho trágico
desvaneceu-se em minhas lágrimas
de frustração
de desilusão.
Mas quando a visão
a mim retornou
estava de volta
em toda a minha volta
onde alguém tolo como eu
jamais olhou:
nos olhos dos amigos, amantes, parentes
pessoas tão diferentes
que compartilham um brilho de carinho
ainda mais potente
que o brilho das estrelas.

Atordoado, maravilhado,
realizado enfim,
só posso sussurrar, encabulado:
Obrigado!
Por trazer esse brilho
de volta para mim.

A Dark Ghost

Encontrei um poema perdido que escrevi em 28/janeiro/1998. Para comemorar a descoberta após quase 14 anos, aqui vai ele - com uma tradução livre incluída:

A Dark Ghost


A dark ghost froze
in the middle of nowhere
I know, I was there
riding a pale nightmare
chasing him and his brethren
time and again
to take their hearts of stone
from their cages of bones
to my collection of dry tears
and unspoken fears
trying to understand
this wasted land
where the colors of music
and the music of thoughts
are at a loss
to bring any light
to this long night
when classic ways of living
both sides of life
are lost in time
drawn by numbers
scattered in tribes
expecting no mercy
and dancing in chaos
so damned a place
so far from grace
warm as an empty smile
and as much worthwhile
making a cynic of every saint
making a philosopher of every man
writing words in the sand
that'll be wiped by next rain...

Um Fantasma Escuro

Um fantasma escuro
congelou no meio de lugar nenhum
eu sei, eu estava lá
cavalgando um pesadelo pálido
caçando a ele e aos seus irmãos
de novo e de novo
para tomar-lhes seus corações de pedra
de suas jaulas de ossos
para minha coleção de lágrimas secas
e de temores impronunciados
tentando entender
esta terra devastada
onde as cores da música
e a música dos pensamentos
estão perdidos
para trazer alguma luz
para esta noite longa
quando as formas clássicas de viver
os dois lados da vida
estão perdidas no tempo
afogadas em números
espalhadas em tribos
sem perdão
e dançando no caos
um lugar tão desgraçado
tão distante do encanto
cálido e valioso
como um sorriso vazio
tornando todo santo um cínico
tornando todo homem um filósofo
escrevendo palavras na areia
que serão apagadas pela próxima chuva...

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Sair do molde

Depois de quase um mês andando pela Índia e uma escala rápida na Turquia, cheguei de volta a São Paulo e tive uma sensação de estranheza: a cidade, as pessoas, as ruas, mesmo minha casa, eram familiares e ao mesmo tempo diferentes, como se fossem coisa de filme muito assistido, mas não real.

Primeiro creditei isso ao cansaço, depois ao jet leg, e por fim entendi: o cotidiano vai lenta, mas inexoravelmente, nos moldando às condições da cidade, do trabalho, da família, do círculo social, etc., e nem nos damos conta disso, exceto quando acontecem coisas como essa minha viagem, que nos tira do conhecido e, ao nos fazer vivenciar culturas tão distintas da nossa que saímos do piloto automático e prestamos atenção - e pensamos - de verdade, literalmente saímos daquele molde que o dia-a-dia nos tinha feito.

Agora que saí do meu molde, e estou consciente disso, me encontro na mesma situação do filme Matrix onde Morpheus dá a chance da escolha a Neo: esquecer o que aconteceu e voltar ao seu mundinho, ou encarar a nova situação de incerteza, desconhecido, risco, perigo potencial - e liberdade.

Pílula vermelha ou pílula azul?