sexta-feira, 13 de julho de 2012

Sonoridade da alma


Que o som é fundamental para a vida, está descrito em textos religiosos, como na Bíblia:

"No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez. Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens."

ou em religiões orientais:

'O Om (ॐ) é o mantra mais importante do hinduísmo e outras religiões. Diz-se que ele contém o conhecimento dos Vedas e é considerado o corpo sonoro do Absoluto, Shabda Brahman. O Om é o som do universo e a semente que "fecunda" os outros mantras. O som é formado pelo ditongo das vogais a e u, e a nasalização, representada pela letra m. Por isso é que, às vezes, aparece grafado Aum. Estas três letras correspondem, segundo a Maitrí Upanishad, aos três estados de consciência: vigília, sono e sonho. 


"Este Átman é o mantra eterno Om, os seus três sons, a, u e m, são os três primeiros estados de consciência, e estes três estados são os três sons" (VIII).


O pranava — o mantra Om — é a jóia principal entre os outros mantras; o pranava é a ponte para atingir os outros mantras; todos os mantras recebem seu poder do pranava; a natureza do pranava é o Shabda Brahman (o Absoluto). 


Escutar o mantra Om é como escutar o próprio Brahman, o Ser. Pronunciar o mantra Om é como transportar-se à residência do Brahman. A visão do mantra Om é como a visão da própria forma. A contemplação do mantra Om é como atingir a forma de Brahman" Mantra Yoga Samhitá, 73.'

Os nativos de todas as Américas, da África, ilhas do Pacífico e Oceania, tem um repertório riquíssimo e variado de sons e cantos para as mais diversas situações de seu cotidiano, guiados por seus homens santos/sábios, os xamãs.

Hinos, mantras, cantos, musicalidade, música: o processo de ressonância de ondas sonoras com o íntimo do ser humano. Difícil encontrar quem seja indiferente a essa manifestação vibracional que fala a áreas do cérebro que precedem o processo racional e se conectam rapidamente com o lado emocional.

Mexe com a alma.

Identifiquei em mim algumas formas pelas quais os sons mexem comigo, nesta ordem:
1- pela sonoridade dos instrumentos;
2- pelo ritmo da manifestação sonora;
3- pelo timbre de voz de quem canta;
4- pelo conteúdo do que é cantado;
5- pela combinação de dois ou mais desses elementos.

Assim, há uma quantidade enorme de sons, nas suas mais diversas manifestações, que mexem comigo.
Por exemplo, o som agudo e arrepiante das naves Shadow, na série de ficção científica Babylon 5, me transmite sensação de energia, força, mas com um peso (negativo) igualmente grande; o som de um gongo me faz vibrar em sintonia com ele, e sinos me fazem viajar astralmente com os olhos físicos abertos.

Mas vamos às músicas - às 5.549 (mais ou menos) que mexem comigo; vou começar pela que ouvi pouco antes de escrever isto, e que motivou escrever este post: GIMME SHELTER, dos Rolling Stones.

A sonoridade e ritmo de vozes e instrumentos é instigante, e a letra cala fundo; escrita em 1969, as frases têm tom áspero, inquieto, angustiante. Refere-se à Guerra do Vietnã, às agitações sociais que o mundo enfrentava na época, e nos faz pensar que infelizmente continua atual, e que também serve a épocas anteriores da história da humanidade... e felizmente conclui com a esperança do "amor apenas a um beijo de distância".

Confira a música no YouTube:
http://www.youtube.com/watch?v=WJDnJ0vXUgw

e veja a letra a seguir:
GIMME SHELTER - The Rolling Stones


Oh, a storm is threat'ning
My very life today
If I don't get some shelter
Oh yeah, I'm gonna fade away


War, children, it's just a shot away
It's just a shot away
War, children, it's just a shot away
It's just a shot away


Ooh, see the fire is sweepin'
Our very street today
Burns like a red coal carpet
Mad bull lost its way


War, children, it's just a shot away
It's just a shot away
War, children, it's just a shot away
It's just a shot away


Rape, murder!
It's just a shot away
It's just a shot away


Rape, murder!
It's just a shot away
It's just a shot away


Rape, murder!
It's just a shot away
It's just a shot away


The floods is threat'ning
My very life today
Gimme, gimme shelter
Or I'm gonna fade away


War, children, it's just a shot away
It's just a shot away
It's just a shot away
It's just a shot away
It's just a shot away


I tell you love, sister, it's just a kiss away
It's just a kiss away
It's just a kiss away
It's just a kiss away
It's just a kiss away
Kiss away, kiss away


A tradução é algo assim:
Me dê abrigo


Oh, uma tempestade está ameaçando 
minha vida hoje
Se eu não conseguir abrigo 
Oh, sim, eu vou desaparecer


A guerra, crianças, está apenas a um tiro de distância


Oh, eu vejo o fogo varrendo as ruas hoje
Queimando como um tapete de brasas vermelhas
O touro ensandecido perdeu o rumo


A guerra, crianças, está apenas a um tiro de distância


Estupro, assassinato!
Estão apenas a um tiro de distância


A inundação está ameaçando
minha vida hoje
Me dê abrigo
ou eu irei desaparecer


A guerra, crianças, está apenas a um tiro de distância


Eu te digo, irmã, o amor está apenas a um beijo de distância
apenas a um beijo de distância

E você? Qual música / mantra / cantiga / canto / som ressoa com sua alma e mexe com você - e por que?

terça-feira, 10 de julho de 2012

Os Princípios e os Para

Praticamente todo mundo precisa de princípios para se encontrar, se posicionar no mundo, achar seu caminho na vida, viver em sociedade, conseguir conviver com os outros e consigo mesmo.

Também toda organização social tem seus princípios; os das empresas costumam ser para conseguir lucro de modo socialmente aceito, os dos países procuram (ou deveriam) ser para o bem-estar de seus cidadãos... e para viver bem - entenda-se estar física, emocional, espiritual e socialmente bem - os princípios religiosos deveriam servir.

Dadas as inúmeras diferenças culturais, etnogeográficas e históricas envolvidas, deixemos os princípios das religiões de lado, e olhemos algo mais simples, como alguns princípios filosóficos do Reiki:
1- Somente por hoje, não se zangue;
2- Somente por hoje, não se preocupe;
3- Somente por hoje, expresse sua gratidão;
4- Somente por hoje, seja aplicado e honesto em seu trabalho;
5- Somente por hoje, seja gentil com os outros.

ou do Yoga:
- Yama ==> cinco princípios de harmonia com os outros:
1- Satya --> benevolência
2- Ahimsa --> não-ferir
3- Asteya --> não-roubar
4- Aparigraha --> simplicidade
5- Brahmacarya --> consciência universal
-Nyama ==> cinco princípios de harmonia consigo mesmo:
6- Shaoca --> pureza
7- Santos'a --> contentamento
8 - Tapah --> serviço
9 - Svadhyáya --> leitura espiritual
10 - Iishvara pran'idhána --> busca da consciência da unidade

Mesmo parecendo mais simples que os dogmas e mandamentos religiosos, esses princípios não são fáceis de entender, aceitar e aplicar.
Essa constante luta cotidiana de todos nós com os princípios para nortear nossa vida nos leva a alguns comportamentos esquizofrênicos, quase sempre inconscientes, e é aí que surgem os três Para:

O primeiro é o Paradigma; para ajudar a entendê-lo, vou usar algumas definições que estão no livro "Quem somos nós?" (What the bleep we know?), de William Arntz, Betsy Chasse e Mark Vicente:

"Um paradigma é como uma teoria, mas um pouco diferente. Uma teoria, como a de Darwin sobre a evolução, é uma ideia que procura explicar alguma coisa. Ela deve ser testada, provada ou negada, apoiada ou contestada por meio de experimentação e reflexão.
Um paradigma, por outro lado, é um conjunto de premissas implícitas que não se pretende testar; na verdade, são essencialmente inconsistentes. São parte do nosso modus operandi como indivíduos, como cientistas ou sociedade...
... Um paradigma jamais é questionado, porque ninguém pensa sobre ele.
O paradigma também pode ser visto como um sistema de crenças.
Um paradigma é como o sistema inconsciente de crenças de uma cultura. Vivemos e respiramos essas crenças; pensamos e interagimos de acordo com elas...
... Mudança de paradigma: novos olhos enxergando uma situação antiga...
... Quando é pessoal, nós chamamos de atitude; se é cultural, chamamos de paradigma; se é universal, chamamos de lei. 'Como é dentro, é fora'."

Com isso, os princípios - ou a ausência deles - que elegemos, mesmo que inconscientemente, para guiar nossa vida, podem ser enquadrados como paradigmas. E geralmente funcionam bem, na maioria das vezes, até que então nos defrontamos com algo que nos faz querer ignorar, pois caso contrário ficamos muito desconfortáveis e podemos entrar em parafuso: Paradoxo, o segundo Para.

Paradoxo --> no dicionário Houaiss, tem uma porção de definições legais sobre ele:

1 proposição ou opinião contrária à comum
Ex.: o discurso despertou curiosidade pelos p. apresentados
2 aparente falta de nexo ou de lógica; contradição
Ex.: ter um romance platônico numa época de amor livre é um tremendo p.
3 Rubrica: filosofia.
pensamento, proposição ou argumento que contraria os princípios básicos e gerais que costumam orientar o pensamento humano, ou desafia a opinião consabida, a crença ordinária e compartilhada pela maioria
3.1 Rubrica: lógica.
no sentido lógico, raciocínio aparentemente bem fundamentado e coerente, embora esconda contradições decorrentes de uma análise insatisfatória de sua estrutura interna
3.2 Rubrica: filosofia.
no sentido existencial, presente em autores como Pascal (1623-1662) ou Kierkegaard (1813-1855), argumento chocante e inusitado por refletir o absurdo em que está imersa a existência humana

Resumindo todas essas definições: atitudes / ações / circunstâncias contraditórias, que não fazem sentido, apesar da base aparentemente coerente.
E assim chegamos ao terceiro Para: o Para-com-isso!

Para-com-isso é o resultado praticamente invariável de se aferrar a alguns paradigmas (princípios), segui-los sem questionar, sem racionar ou sem fazer as adaptações que a vida, sempre dinâmica, requer, e dar de cara com o paradoxo que nos chama à responsabilidade de sermos conscientes e assumirmos a responsabilidade por nós mesmos e pelo que fazemos.

Exemplo prático:
1- Paradigma: gosto dos animais, sou contra sua matança, então sou vegetariano - assim não é preciso abater animais para me alimentar. Gosto tanto de animais, que tenho gatos e cachorro - animais de estimação.
2- Paradoxo: eu não como carne, mas tenho de comprar carne e alimentos à base de carne, para alimentar os meus animais de estimação, que são carnívoros, e assim outros animais têm de ser abatidos para alimentar os meus bichinhos. Já me falaram de vegetarianos que passaram a dar ração exclusivamente vegetal aos seus cães e gatos, tentando assim fugir desse paradoxo. Funciona?
3- Para-com-isso: se levar o paradigma ao pé da letra, tenho de parar até de respirar, pois a cada inalação milhares de organismos unicelulares são mortos pelos processos de defesa e proteção do meu corpo. Como disse um conhecido meu, só falta os donos dos cães que recebem ração vegetariana quererem também que os totós parem de fazer au-au! e passem a fazer om-om!

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Dias de jogos


Hoje é quarta-feira, e como tem acontecido nas últimas semanas, tem jogo de futebol na TV, após a novela das 8 que começa às 9 e termina às 10.

Os fogos, comemorações e provocações começam antes do jogo, e se animam e crescem com o decorrer da partida.

Quando sai um gol, é possível ouvir na vizinhança, dos prédios mais estilosos até as casas mais simples, os gritos e palavrões que fazem mais barulho que os fogos - e, claro, muitos fogos, que assustam e traumatizam os cães e gatos, e não deixam ninguém dormir, inclusive quem não é fã ou fanático do glorioso esporte bretão que nas bandas tupiniquins os lusófonos tentaram chamar de ludopédio.

Gosto de futebol, assim como gosto de vários outros esportes - assisto jogo da segunda divisão da liga inglesa, rúgbi, futsal, não perco vôlei, etc. - mas o futebol é o mais emblemático do que vejo e não entendo: como tanta gente coloca num evento externo - o jogo de futebol - a responsabilidade por estar feliz ou não? 


Quando sai gol do seu time, o sujeito solta fogos - é barulhento, chato, assusta meus gatos e cachorro, mas ainda é razoavelmente aceito socialmente e "inofensivo". Só que junto com os gols, o dito cujo grita como um primata pré-Homo Sapiens, xinga qualquer um que não seja da sua tribo (torcedor do seu time) e provoca grosseiramente até a mãe.

Quando sai gol do time adversário, a coisa se repete, desta vez com os torcedores do time contrário e com os torcedores de qualquer outro time que foram xingados e ofendidos pelo primeiro torcedor...

Parece coisa de criança birrenta, mas são marmanjos que fazem isso.

O noticiário esportivo, muitas vezes pela falta de assunto enquanto não chega o dia dos jogos, incentiva rivalidades que acabam saindo do controle; as bebidas alcoólicas também incentivam a "paixão" e dão um bico, daqueles de beque de fazenda, na razão; dentro da lógica capitalista e consumista atual, torcedor bom é aquele que compra bastante - o jogo no pay-per-view, a camisa do clube (que muda regularmente e ainda tem o terceiro uniforme), cerveja, e várias outras coisas associadas ao time/esporte/jogo. Se começar a pensar, o sujeito não vai comprar tanto, então o estímulo constante, tanto explícito quanto sub-liminar, é levar o gajo a pensar cada vez menos, e reagir cada vez mais, e consumir, consumir, consumir...

E com isso, só reagindo, saem os palavrões, provocações, baderna, vandalismo, agressão gratuita...

Não sou contra a rivalidade; tirar sarro do adversário, fazer uma brincadeira, é parte da interação saudável, desde que se mantenha o respeito e a dignidade, e não ser mera desculpa para agressões verbais e físicas.

Em 1972, aos meus 10 anos e na minha primeira vez num estádio de futebol, meu pai me levou ao Pacaembu numa noite de rodada dupla, para ver Corinthians X Atlético Paranaense e Santos X Grêmio. Torcedores rivais se respeitavam, dividiam o mesmo espaço e aproveitavam o espetáculo que acontecia no gramado.

Sei que os tempos são outros, tanto dentro do estádio quanto no mundo todo, mas num planeta cada vez mais cheio (lotado) e globalizado, com interação cada vez maior das pessoas e a mesma quantidade de mesmos recursos naturais, se não nos esforçarmos em conviver melhor, com civilidade, respeito, dignidade, consciência e responsabilidade, que mundo deixaremos - inclusive com nossos exemplos - para as próximas gerações?