quinta-feira, 24 de julho de 2014

O dia em que o mundo acabou

O dia em que o mundo acabou não apareceu nos telejornais nem nos sites da internet.

Ninguém tuitou sobre ele nem o curtiu no Facebook.

Tampouco apareceu nas revistas de notícias, pesquisas ou fofocas.

Quem estava alienado e alucinado, esquizofrenicamente reclamando do sistema inumano e ao mesmo tempo se regozijando por ser engrenagem de destaque, continuou em seu casulo interno com as mesmas referências de antes, como um tigre que fica tanto tempo na jaula que continua andando no mesmo lugar mesmo depois da porta aberta.

Quem estava a caminho de despertar, sentiu que agora fluía com o tempo, ao invés de lutar contra ele, e assim cada minuto ganhou um sabor diferente, sem o tempero pesado da ansiedade que deixava tudo com gosto de insatisfação ou de receio.

Quem já estava lúcido, continuou sereno.

No dia em que o mundo acabou, as estrelas não caíram do céu: a Terra continuou girando e o Sol e a Lua continuaram a cruzar os ares; as pessoas continuaram a nascer e a falecer e, com sorte, aprender algo entre os dois acontecimentos; e o chumbo no coração dos homens não virou ouro de um instante para o outro.

Também não houve arrebatamentos, ressurreições, julgamentos finais nem resgates – nem em massa nem só para os autodenominados “escolhidos” por qualquer critério religioso, social, étnico, cultural, histórico, financeiro ou egocêntrico.

Não houve a chegada nem de anjos nem de ETs em discos voadores e naves espaciais, mas muitas pessoas continuaram sem poder fitar a si mesmas no espelho de suas consciências.

Quem tinha desenvolvido as próprias asas, alçou voo; quem levitava, continuou no ar.

As asas da imaginação dos Pégasus e Fênix, grifos e hipogrifos, levaram todos que tinham deixado o coração mais leve que a pena pesada no julgamento de Osíris.

Esses souberam e sentiram que o mundo acabou, mas que a vida seguia; todos os demais continuaram achando que acabou o mês, acabou o salário, acabou o relacionamento, acabou a Copa, acabou o Carnaval, acabou o ano, mas que o mundo seguia igual, mesmo sendo cada vez mais diferente do que já fora.

Para quem viu que o mundo acabou, o riso e as lágrimas continuaram a chegar e a partir com naturalidade, pois no seu íntimo estava o universo inteiro pulsando como um toróide inesgotável, dando sentido não apenas à vida, mas a toda a existência.

Para quem não viu que o mundo acabou, o buraco sem fundo da vida sem sentido continuou gerando a ilusão de que tudo continua lá, cada vez mais acelerado mas sem chegar a lugar algum.