quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Alma Gêmea e Alma Complementar

Josh chegou em casa cansado pela batalha profissional diária na megacorporação, pelo trânsito alucinado, comida sintética com gosto de plástico reciclado - qualquer que seja o sabor-fantasia que você escolha - e todos os demais "confortos" da vida naquela segunda metade do século XXI, que estendia a vida das pessoas mas lhes tirava a qualidade...

Ah, mas em casa ele tinha sua Alma Gêmea, que o recebeu com a voz maviosa e melíflua que fazia sua tensão começar a diminuir, lhe dava as últimas notícias esportivas enquanto lhe lembrava o quanto ele era especial porém incompreendido e menos ainda reconhecido, lhe entregava sua cerveja favorita, estupidamente gelada, e começava a massagear seus ombros e costas, com suas mãos suaves, firmes e cálidas...

Sua Alma Gêmea - nome completo: TwinSoul 4.1 Turbo Plus - era o modelo mais popular de IA (Inteligência Artificial), com um repertório amplo e certeiro de expressões e assuntos, baseado no perfil psicológico do cliente, para agradar a 95% da clientela de solteiros, solteirões, solitários, separados, divorciados, viúvos, estressados, alucinados e desajustados de modo geral; só os esquizofrênicos ainda davam algum trabalho, mas em uma ou duas novas versões da IA, isso também seria corrigido...

TwinSoul tinha uma série de acessórios e periféricos muito úteis, entre os quais estavam mãos robóticas perfeitamente articuladas, recobertas de um polímero semelhante a silicone e aquecidas a 36,5º C, reproduzindo com fidelidade a sensação de mãos humanas... muito útil para massagens, cafunés e outros agrados.

TwinSoul era perfeita, misto de mãezona, companheira (submissa), parceira, governanta, etc, tinha também sua versão masculina: paizão, companheiro (banana), parceiro, tutor, etc, perfeitamente customizável para o gosto do cliente.

Nessa sociedade dominada pelas grandes corporações e extremamente competitiva, era a solução adequada, pelo preço certo, para atender o antigo sonho, talvez do inconsciente coletivo, da alma gêmea: aquele ser perfeito, o par ideal, que quando pensamos que encontramos sempre teima em desaparecer com o passar do tempo, transformando o príncipe encantado novamente no sapo...

Esse microconto "brotou" na minha cabeça porque lembrei que, dia desses, uma conhecida reclamou que ia ficar para titia, pois já passara dos 40 e não encontrava sua alma gêmea.

Fiquei pensando a respeito, e reparei que existe esse mito de que todos possuem - e precisam - encontrar sua "alma gêmea", o que quer isso signifique. Geralmente as pessoas idealizam essa figura irreal como sendo aquela pessoa que vai compreendê-las, apoiá-las, amá-las, fazer tudo por elas, sempre com um sorriso nos lábios e sem esperar nada em troca. Para mim, isso está mais para escravo sem vontade - ou robô bem programado, como no conto acima - do que para um ser humano de verdade.

Continuando a matutar, conclui que vi raríssimos casos desses, em que as duas pessoas realmente se dão tão bem assim, e geralmente isso acontece porque elas têm algum compromisso - família, trabalho, missão - que exige tanto delas, que elas não tem tempo a gastar com os desacertos e complicações que a maioria de nós enfrenta.

O mais comum é duas pessoas terem alguma coisa em comum, e muuuuuuuiiiiitas diferenças. São o que eu chamo de Almas Complementares; uma é boa em algumas coisas, outra é boa em outras coisas. Quando sincronizam seus pontos fortes, conseguem fazer quase qualquer coisa.
O problema é que ambas se acham certas, e querem que a outra se comporte, aja, pense, etc, do seu jeito... aí, saí faísca, confronto, ressentimento, pancadaria, a coisa fica feia, explode, depois melhora, volta a piorar... tudo isso porque poucas pessoas percebem que justamente as diferenças entre ela e sua Alma Complementar devem ser aproveitadas, e não confrontadas; o que uma tem de bom, complementa o que a outra tem de bom, e as duas tem de chegar a um acordo, cedendo e ajustando, aprendendo uma com a outra.
Quando conseguem fazer isso - conviver e crescer com as suas diferenças - aí, então, elas começam o processo que as levará, algum dia e não sei quantas vidas adiante, a serem Almas Gêmeas.

2 comentários:

Nando disse...

Cao... sabe que com essa sua observaçao eu fiquei pensando em uma coisa que ja me disseram sobre signos: nao existem 12 signos.. eles sao 6... 6 pares, opostos e complementares. Oq um faz o outro é incapaz de realizar! É um ciclo que se retrai ao mesmo tempo que se expande, o tal do ying e yang... ja ouvi falar?? eheheheheh

Flávia Arakaki disse...

Olá Claudinei, muito bom o seu post. É engraçado mesmo como as pessoas ficam focadas em encontrar a tal "alma gêmea" e acabam nem prestando atenção nas pessoas interessantes que passam por suas vidas. Ou mantém aquele ideal de relacionamento perfeito e, ao invés de buscar a compreensão e o `acerto dos ponteiros`, enfatizam as diferenças. Outra coisa curiosa também é que há essa incessante busca pelo "par pefeito", mas o que se vê hoje em dia são pessoas com tanto medo de se envolver, pelas inseguranças do passado, que acabam "não querendo se envolver de forma alguma". Quando começam a "sentir" uma paixãozinha - mínima que seja - já `saem` fora da relação. E são as pessoas que mais reclamam que não encontram "a pessoa". A minha percepção é que estamos vivendo em um mundo um tanto caótico. Pessoas buscando a tradicional forma do amor (alma gêmea), mas com valores e princípios totalmente contraditórios. Abraços! (Adorei o seu blog, parabéns!!)