domingo, 27 de outubro de 2013

Provocações gratuitas, agressões fortuitas

_ Cachorro feio da porra!

Olhei em volta: ali só tinha eu, meu cachorro e um sujeito de capuz, que já passara pelas minhas costas e atravessava a rua, num passo rápido, de mochila nas costas e mãos no bolso.

Por eliminação, devia ser ele quem falara e o alvo seria o Luka, meu Yorkshire de uns 30 cm de comprimento, pelo preto grosso e tosado em comprimento médio, que o deixa mais parecido com um micro-urso do que com um Yorkshire, mas que sempre fez com que fosse um sucesso de crítica e de público por onde quer que passasse.

Até aquele momento.

O comentário agressivo do sujeito que se afastava cada vez mais, tinha sido tão inusitado, despropositado e surpreendente, que demorei a atinar com alguma reação.

Acabei concluindo que não valia a pena dar atenção àquela nuvem passageira de mau humor em meio à manhã de céu azul. E lembrei de outras situações que já vi, como aquelas no trânsito em que o carro de alguém dá algum defeito e para, e logo começa o coro de buzinas e de xingamentos de quem está atrás; quando constatam que o carro parado à frente quebrou, ao invés de uma ação ou palavra de solidariedade, ou ao menos de um silêncio respeitoso por quem vai ter bastante trabalho para sair daquela situação, o que se vê é um festival de falta de educação e falta de civilidade, pois de repente o motorista do carro quebrado
vira o pára-raio da frustração, raiva e ansiedade daqueles que acham que só eles têm pressa e isso justificaria toda selvageria com outros que se oponham, não concordem, e acima de tudo estejam em posição mais fragilizada.

Provocações gratuitas e agressões fortuitas, em que o sujeito, por qualquer motivo, seja forte ou banal, expõe seu desequilíbrio interior, preferindo "desabafar"  - como muitos dizem - porque se acha no direito, porque seu time perdeu, porque porque discutiu com a mulher, porque levou dura do chefe e não pode retrucar, porque a vida está difícil para ele, porque acha legal provocar os outros,  porque, porque... porque ignora, ou prefere ignorar, que as dificuldades fazem parte da vida e que isso acontece com todos. Porque ignora que expressar sua raiva, "botar pra fora" como tantos alegam, é como soltar um pum: afeta todo mundo que está em volta, começando com o próprio sujeito: todos saem "fedidos" com aquela manifestação incontrolada de raiva; ninguém ganha nada.

Tem gente que se acostumou ao odor da própria irritação, mas continua sem suportar a dos outros. O exercício de se colocar no lugar do outro, para sentir na própria pele o que provoca ao seu redor, ajudaria o sujeito a ter uma visão mais realista de si e dos outros, e aí fazer algo melhor do que simplesmente agredir quando não está bem.

2 comentários:

Ernesto Gennari Neto disse...

Pô Claudinei, isso é uma grande lição.

Você me explicava algumas coisas anos atrás e eu não entendia tanto, também, era mais novo e tinha uma outra visão mais enérgica e, de certa forma, adolescente. Hoje em dia, mais velho, cada vez mais entendo essa posição de me colocar no lugar de alguém antes de sair por aí vociferando impropérios. É difícil perder o hábito de extravasar a raiva, confesso que ainda erro, mas não é impossível e já diminuí muito minha margem de "explosão". Grande parte disso eu dou crédito às pessoas que me influenciaram à essa mudança, sendo você uma delas.
Cada vez mais procuro prestar atenção nessas pequenas coisas e aprendi que buzinar não vai me fazer chegar mais rápido aonde quero, só vai me irritar mais ainda, então é mais um impulso que tenho que monitorar.
Acho que estamos tão habituados à loucura da cidade grande que esquecemos como nos comportar como semelhantes. Tem horas que eu penso que meu cachorro consegue ser mais humano e cordial que a maioria dos humanos que conheço. Com tanta coisa criada para facilitar nossas vidas, ainda continuamos nos atendo à coisas pequenas e desnecessárias, nos apegamos à crenças (religiosas, ideológicas, esportivas e culturais), alimentando cada vez mais a competitividade do sistema e esquecemos do básico, esquecemos de conviver em harmonia para viver a vida de forma tranquila. Parece que mais sobrevivemos do que vivemos, tratamos a vida como uma luta ao invés de uma viagem. Isso me entristece, mas não posso mudar o mundo, então pelo menos mudo a mim mesmo, vai que alguém faz o mesmo...
Saudades e saudações!!! :)

Cao disse...

Ernesto, olhar as coisas com outros olhos, como você está fazendo, é resultado não apenas do tempo que passa - para todos nós! - mas do que fazemos com esse tempo: a maturidade é um processo contínuo que requer nosso envolvimento consciente e constante. E a coisa curiosa e paradoxal é que para conseguir a expansão de visão que envelhecer ajuda a ter, é preciso manter a abertura da criança que não cria pré-conceitos e se maravilha perante tudo o que aparece, abraçando e aceitando o novo e o diferente...
Abração!