O dia em que o mundo acabou não apareceu nos telejornais nem
nos sites da internet.
Ninguém tuitou sobre ele nem o curtiu no Facebook.
Tampouco apareceu nas revistas de notícias, pesquisas ou
fofocas.
Quem estava alienado e alucinado, esquizofrenicamente
reclamando do sistema inumano e ao mesmo tempo se regozijando por ser engrenagem de
destaque, continuou em seu casulo interno com as mesmas referências de antes,
como um tigre que fica tanto tempo na jaula que continua andando no mesmo lugar
mesmo depois da porta aberta.
Quem estava a caminho de despertar, sentiu que agora fluía com
o tempo, ao invés de lutar contra ele, e assim cada minuto ganhou um sabor
diferente, sem o tempero pesado da ansiedade que deixava tudo com gosto de insatisfação
ou de receio.
Quem já estava lúcido, continuou sereno.
No dia em que o mundo acabou, as estrelas não caíram do céu:
a Terra continuou girando e o Sol e a Lua continuaram a cruzar os ares; as
pessoas continuaram a nascer e a falecer e, com sorte, aprender algo entre os
dois acontecimentos; e o chumbo no coração dos homens não virou ouro de um
instante para o outro.
Também não houve arrebatamentos, ressurreições, julgamentos
finais nem resgates – nem em massa nem só para os autodenominados “escolhidos” por
qualquer critério religioso, social, étnico, cultural, histórico, financeiro ou
egocêntrico.
Não houve a chegada nem de anjos nem de ETs em discos voadores
e naves espaciais, mas muitas pessoas continuaram sem poder fitar a si mesmas
no espelho de suas consciências.
Quem tinha desenvolvido as próprias asas, alçou voo; quem
levitava, continuou no ar.
As asas da imaginação dos Pégasus e Fênix, grifos e
hipogrifos, levaram todos que tinham deixado o coração mais leve que a pena
pesada no julgamento de Osíris.
Esses souberam e sentiram que o mundo acabou, mas que a vida
seguia; todos os demais continuaram achando que acabou o mês, acabou o salário, acabou o relacionamento, acabou a Copa, acabou o Carnaval, acabou o ano, mas que o mundo seguia igual,
mesmo sendo cada vez mais diferente do que já fora.
Para quem viu que o mundo acabou, o riso e as lágrimas
continuaram a chegar e a partir com naturalidade, pois no seu íntimo estava o
universo inteiro pulsando como um toróide inesgotável, dando sentido não apenas
à vida, mas a toda a existência.
Para quem não viu que o mundo acabou, o buraco sem fundo da
vida sem sentido continuou gerando a ilusão de que tudo continua lá, cada vez
mais acelerado mas sem chegar a lugar algum.
Nenhum comentário:
Postar um comentário