segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

A Era de Narciso

Alguém se lembra de Narciso, aquele personagem da mitologia grega que era tão bonito que só gostava do próprio reflexo?

Pois o nível de ruído, discussão e agressividade que acompanhou a campanha eleitoral de 2014 no Brasil me fez ter certeza que não estamos (ainda) nem na Era de Peixes, nem (já) na Era de Aquário, estamos é na Era de Narciso. Não que sejamos (ou estejamos) extremamente belos, mas sim que não gostamos do que é diferente da nossa imagem projetada.

Vejamos: o que já se delineava como tolerância zero em relação a quem tinha time de futebol, religião, cor, sexo, orientação sexual, classe social, dinheiro, cultura, nível intelectual, origens, gosto musical, profissão, capacidade motora, gosto artístico, etc., diferente dos de Narciso, chegou ao ápice na campanha política em que a preferência por um partido (ou candidato) ou outro - ou por nenhum - fez tanta gente desrespeitar veementemente a preferência dos outros. Não gostar da escolha alheia é uma coisa; agressividade gratuita e falta de respeito é outra. Mas cada um se sentia certo, ou ao menos amparado por justificativas que, ao seu ver, lhe conferiam legitimidade em ser malcriado ou grosseiro.

As eleições passaram, como tudo passa - o jogo de futebol, o campeonato, a Copa do Mundo, a novela com seus muitos vilões, a paixão que era eterna, a família, a vizinhança, o emprego vitalício - e outras virão. Mas como cada Narciso vai conseguir olhar para quem não é seu reflexo?

E mais ainda: o que cada Narciso vai fazer quando só tiver espelhos à sua volta, devolvendo sua própria imagem, e perceber que o brinco da sua orelha direita está na orelha esquerda do reflexo, que assim deixa de ser sua cópia perfeita? Vai quebrar os espelhos até ficar só no mundo, ou vai aceitar que as diferenças fazem parte da beleza alheia?

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