sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

As horas estão se esgotando

Dias atrás, no velório do pai de uma amigo, revi pessoas que há uns 20 anos não encontrava, e fui lembrado de como a vida continua, mesmo longe dos meus olhos e do meu pensamento, estampada em rugas, cabelos brancos (ou falta de cabelos), barriguinhas e gordurinhas, crianças que agora são adultos e têm suas próprias crianças...

Um colega, que também via isso, ilustrou bem esse (nosso) espanto:
_ Jesus! Onde eu estava que não vi nada disso acontecer?

O mesmo colega, sem perceber, deu uma dica da resposta, logo depois, quando falávamos dos nossos empregos:
_ No mundo corporativo, os dias demoram uma eternidade, e os anos passam num instante.

Pois é: reuniões, planilhas e relatórios consomem avidamente nossas horas cotidianas, e o trânsito irracional de São Paulo destrói mais um tanto dessas horas - preciosas, porque insubstituíveis - e assim, quando nos damos conta, não encontramos mais um monte de gente, simplesmente porque não trabalham mais conosco ou não estudam mais conosco: saíram do nosso trajeto social diário, ficaram fora do nosso raio deação, e assim a convivência fica para "quando der tempo".

Passam-se os anos, a vida segue impassível à velocidade de 24 horas por dia para cada um e para todos, e o reencontro fica para situações extremas, como um falecimento.

_ Culpa do mundo corporativo? - perguntei eu, e o colega me respondeu:
_ É, mas precisamos do mundo corporativo para ter dinheiro.

Verdade verdadeira; no atual paradigma da nossa sociedade capitalista, o dinheiro é a forma de eu trocar meu tempo e esforço (trabalho) por aquilo que preciso e pelos supérfluos - cada vez mais! - que não preciso.

Até aí, tudo como sempre foi: para ter alguma coisa, preciso fazer algo, pois as coisas - bens, comida, abrigo, roupas, etc. - não se produzem sozinhos.

A porca torce o rabo quando ficamos tão dependentes desse modelo de sociedade que, mesmo que não consumíssemos mais nada de supérfluos, ainda assim precisaríamos de algum trabalho para recebermos o dinheiro para comprar comida, roupas, remédios, ter abrigo, etc., porque hoje não somos mais capazes de fazer isso por nós mesmos, especialmente nas grandes metrópoles. A super-especialização aumenta a dependência do resto da sociedade.

E existe vida fora das corporações (cada vez maiores)? Existe, mas elas, com suas fusões, compras e aquisições, vão engolindo tudo. Estão conseguindo fazer o que o comunismo não conseguiu: caminhamos para ter o banco único, a cervejaria única, o supermercado único, a indústria farmacêutica única, e por aí vai.

O que precisa mudar é esse modelo em que os seres humanos são apenas mais um insumo no complexo processo que transforma tempo, matéria-prima, homens/hora, sonhos, etc., em bens cada vez menos necessários e mais rentáveis, para que o lucro dos acionistas continue a crescer.

É preciso restaurar a dignidade e o valor do indivíduo, e não enxerga-lo somente pelo que ele pode produzir dentro da disputa globalizada de ter ganhos cada vez maiores, a qualquer custo - antes que precisemos penhorar as horas dos nossos descendentes, pois as nossas, no ritmo e esquema atual, já estão se esgotando.

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